A “Experiência” de Deus Em Minha Vida
“Eu vim
de lá do interior, aonde a religião ainda é importante. Lá se alguém passa em
frente da matriz, se benze, pensa em Deus e não sente vergonha de ter fé.”
Pe.Zezinho
ÚLTIMA
PARTE: Da maioridade aos dias atuais
Tendo eu concluído já o segundo
grau e não podendo dar prosseguimento aos estudos passei, acho que uns dois
anos em casa. Foi um tempo propício para pensar e descansar.
Durante todo o ano de dois mil e
nove pude fazer um curso de informática, aquele foi outro marco em minha vida.
Levantava todo sábado às cinco da manhã e caminhava uns trinta minutos à pés,
que às vezes fazia embaixo de chuva ou sol muito forte, para assim pegar o
transporte que me levava até a cidade onde o curso se dava. Sempre das 7h às
10h, nas manhãs de sábado, por um período de dez meses, pude adquirir alguns
conhecimentos que seriam de grande utilidade futuramente. Ao contrário do que pensava
minha mãe, eu não esqueci tudo que aprendi por não ter um computador em casa
naquele tempo. Aquele no foi de muita importância para mim.
Sempre gostei de histórias de
ficção científica, seja em filmes ou livros, elas me fascinam. Por volta
daquela época a nossa cidade tinha sido presenteada com uma biblioteca. A única
coisa que eu podia fazer então, era mergulhar no universo dos livros, e foi
isso que aconteceu. Li muito pouco de nossa literatura, pois o que mais me
atraia eram os livros fictícios como Viagem
ao centro da Terra (de Júlio Verne), O Senhor dos Anéis (de J. R.R.
Tolkien), As Crônicas de Nárnia (de C. S. Lewis), etc. Um dia me disseram que isso
era uma perca de tempo, que eu não iria ganhar nada com aquilo. Mas esta pessoa
estava enganada: aprendi muito com a leitura daquelas obras, que são
conhecidas em todas as partes do mundo (tanto é que quase todas elas acabam
chegando às telas de cinema), com elas, acredito que aperfeiçoei muito minha
gramática (prova disso é que futuramente viria a ter a segunda melhor redação
dos vestibulandos para filosofia da minha turma, na Fraternidade Santa Mônica,
em janeiro de dois mil e onze). Acredito, também, que em toda ficção há um
pouco de realidade e que em toda realidade há um pouco de ficção.
Como os trabalhos na
roça não estavam mais agradando os jovens dali, que desejavam um futuro melhor,
muitos deles (inclusive alguns de meus irmãos) começaram a emigrar para o
estado de São Paulo, em busca de algo a mais (R$). Trabalhavam lá com a
colheita de laranja, com o corte de cana, etc. Um dia meu irmão me fez a
proposta de ir com ele e, logo de cara, eu não aceitei. Pensava comigo: “-Eu,
sair daqui para trabalhar em outra roça?”, isso não estava em meus planos,
porém fazia parte dos meus planos um dia sair de casa. Essa foi a oportunidade
que encontrei no momento, para romper os laços com a minha mãe (o que não foi
fácil). Aceitei o convite dele e, com mais um primo e outro conhecido, com
dezenove anos, banhado em lágrimas e vendo a imagem de minha mãe chorando na
janela, saí de casa rumo ao interior de São Paulo.
Naquele tempo eu não
tinha a intenção de ficar trabalhando para sempre com os outros, só precisava
de um tempinho para me estabilizar e, com isso, trilhar o meu próprio caminho.
A cidade em que ficamos é conhecida como Nova Granada. Lá, passei por algumas
experiências que antes não me apeteciam (farras, bebedeiras, etc). Acho que
vivi um pouco da minha adolescência que estava “guardada” em mim.
Só que tudo aquilo, aquelas novas experiências, não me completavam, não
era aquilo que eu buscava, por isso, dois meses depois (para a alegria de minha
mãe) voltei para casa. Naquele tempo, em dois mil e oito, meu Tio deixava para
trás a vida de formando religioso como seminarista redentorista, mas nem por isso
perdeu de vista o seu ideal, o que o levou a conhecer o carisma de outras
ordens como os Carmelitas Descalços e os Agostinianos, por exemplo.
Voltando para a minha terra, retornei, também, aos trabalhos pastorais
que antes lá exercia. Pensava eu que agora deveria me aquetar e ficar por ali mesmo, em minha cabeça cheguei até a
pensar no dia do meu casamento e de como seria a vida dos meus filhos. Como
cristão, me reconhecia profundamente indigno deste título, por isso, muitas
vezes, participava das missas auxiliando nas tarefas, mas recusava a comungar,
pois, sendo eu pecador, achava que não merecia receber Aquele Santo Sacramento.
Hoje sei que não comungo por merecer, comungo
por precisão.
Foi em novembro de dois mil e nove que a minha vida e o meu modo de
pensar mudaram completamente. No final daquele ano fui convidado a participar
de uma reunião paroquial para decidir o planejamento do próximo ano, aquela
reunião foi coordenada por um seminarista diocesano e, durante aquela reunião
percebi que ele olhava diferente para mim. Ao término daquela reunião ele veio
até a mim e me perguntou se eu era seminarista, se já havia feito contato com
alguém desta área ou alguma coisa assim (de início nem quis dar atenção a ele).
Respondi que não. Com isso, ele me incentivou a entrar em contato com alguém
que pudesse me orientar para, assim, conhecer um pouco daquele estilo de vida
que, segundo ele, eu tinha um bom perfil. Despedimo-nos e fui para casa com
aquelas palavras martelando na minha cabeça. Chegando lá, contei tudo pra minha
mãe e, em seguida conversei com o meu Tio que entendia bem do assunto.
Tio Manoel me propôs entrar em contato com o promotor vocacional do
Carmelo Descalço com quem ele estava sendo acompanhado no momento. Eu disse que
assim o faria, mas o tempo passava... passava... e eu nada fazia, sempre
deixando pra depois. Até que um dia tomei a decisão e tive a coragem de lhe
mandar um e-mail. Com isso fui convidado a fazer uma experiência vocacional
junto com meu Tio em no convento Elisabeth da Trindade, em Paranoá DF, bem
próximo à Brasília. Na mesma ocasião era celebrado o jubileu de ouro de nossa
capital, estava lá presente naquela missa tão solene. Aquela experiência foi
marcante para mim. Era a minha primeira viagem de avião. A experiência durou uma
semana e, depois disso, tudo o que eu queria era doar a vida ao próximo.
Pensava comigo: “Oh Jesus, se tão delicioso é desejar amar-Te, o que não será
então possuir e gozar o Amor? Mas como pode alma tão imperfeita aspirar a
plenitude do Amor?” Com Tereza d’Ávila aprendi que “Tudo passa”, que “A
paciência tudo alcança” que “Só Deus basta” e que “Para vir a possuir tudo não
queiras possuir algo em nada”.
Voltando do Carmelo Descalço decidi conhecer, também, a outros carismas
religiosos, pois sabia que não tinha nada a perder. Daí me lembrei que meu tio
havia me passado alguns materiais vocacionais de uma Ordem conhecida como Agostinianos, e que eu tinha guardado
somente por educação, pois na época em que ele fez acompanhamento com eles (em
dois mil e nove) essas ideias ainda não
se passavam pela minha cabeça. Então decidi saber quem eram esses tais de Agostinianos. Foi em uma Lan House, lá
em calçado que, em uma noite do mês me maio de dois mil e dez, pus aquele nome
no campo de pesquisas do Google. Li um pouco da história e, em seguida,
encontrei um espaço específico para contatos. Lá escrevi algumas poucas
palavras pedindo uma orientação vocacional. Poucos dias depois fui surpreendido
com a reposta de um certo Frei Márcio, suas palavras foram muito simples e
objetivas, aquilo me encantou. De agora em diante passava a conversar com
alguém de quem eu não fazia a menor ideia de como fosse. Às vezes eu imprimia
os e-mails que dele recebia e, chegando em casa, lia para os meu pais que me
apoiavam em tudo aquilo. Em pouco tempo de conversa, já fui convidado para
participar de um encontro vocacional que aconteceria, pela primeira vez, na
região nordeste, mas especificamente em Pernambuco. Era a hora e o momento certo,
eu não queria perder aquele encontro por nada nesse mundo.
Conversei com minha
irmã e ela, lá do convento, me deu total apoio. Eu não conhecia a cidade na
qual o encontro seria realizado nem nunca tinha saído de casa sozinho para um
lugar desconhecido, mas lembrei de uma fala de Santo Agostinho na qual ele diz:
“Meu amor é meu peso. Para qualquer parte que eu vá, é ele que me leva.” (Confissões 13, 9, 12) Com o conhecimento
destas sábias palavras, vi que de nada eu poderia temer. Deu tudo certo.
Participando do encontro pude conhecer pessoalmente ao Frei Márcio e fazer
algumas novas amizades. Fiquei encantado com a forma de como nos foi
apresentado o carisma agostiniano e a partir daí só aumentava o meu desejo de
fazer parte de uma comunidade religiosa. A OSA
era o lugar perfeito para mim, eu nem se quer queria mais saber dos Carmelitas
Descalços, pois eu não estava sendo muito bem acompanhado por eles assim como
pelo Frei Márcio.
Quase dois meses depois recebia a aprovação e um novo convite para
participar da segunda etapa, dessa vez só estariam presentes aqueles que já
haviam participado antes, seja em Pernambuco ou não. Foi assim que, deixei
minha comunidade comemorando a festa de Nossa Senhora Aparecida e, vim parar em
Belo Horizonte, isto em outubro de dois mil e dez. Aquele encontro foi tão bom
quanto o primeiro, nele tivemos grandes momentos de espiritualidade e boas
confraternizações, para mim tudo era perfeito, era o céu na terra. Naquele
mesmo fim de semana, ao término do encontro, recebi a tão esperada notícia,
através do Frei Emerson, de que eu estava convidado a viver junto a eles tendo
“uma só alma e um só coração”. Eu já sabia que aquilo ia acontecer, sentia
profundamente dentro de mim. “Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova.
(...) Tu me tocaste e agora estou ardendo no desejo de tua paz.” Confissões 10, 27, 38.
No dia quatorze de janeiro de dois mil e onze, à noite, saí de casa
acompanhado por meus pais e minha Irmã (que
estava de férias) até o aeroporto de Recife, lá eles me deixaram. Nos olhos
lacrimejados de minha mãe pude sentir, mais uma vez, o quanto ela me queria
bem, assim como meu pai que, apesar de não demonstrar tanto quanto ela, dava-me
a sua benção.
Chegando à Fraternidade Santa Mônica fomos muito bem recebidos por
aqueles que seriam nossos formadores: Frei Luís e Frei Haroldo. Nos primeiros
dias de comunidade tivemos que passar por um vestibular, para talvez ingressar
no curso de filosofia. Eu estava muito inseguro, pois nunca tinha passado por
isso, e sentia vergonha perto dos meninos que, ao que me pareciam e pela imagem
que minha mãe ajudou a formar, eram todos bem estudados e que, por causa disso,
eu não seria aprovado em tal exame. Mesmo assim eu me arrisquei, fiz o
vestibular e, para nossa surpresa, tinha sido aprovado. Surpreendi-me com a
nota de minha redação, fui o segundo melhor da casa. Será que tinha sido em vão
a leitura de tantas “bobagens” na minha vida? Fiquei muito feliz. Imediatamente
liguei para minha casa para compartilhar com eles de minha alegria.
Foi assim que comecei a minha vida como estudante de filosofia. Gostei
muito de conhecer um pouco da história daqueles que só conhecia o nome
(Sócrates, Platão, entre outros), assim como suas filosofias. Hoje, na metade
do curso, percebo as coisas com outros
olhos, sem ter mais aquela “ingenuidade” de antes.
No seminário nunca tive a intenção de me desentender com ninguém. Queria
ser amigo de todo mundo, buscava viver em harmonia com todos. Mas esta tarefa
não era tão fácil assim como eu imaginava e foi assim que surgiram os primeiros
conflitos da vida comunitária. No início sofri muito, pois não esperava passar
por tudo aquilo. Até pensei em regressar, mas ainda estava muito cedo, eu não
podia ser tão mole assim. Pensava
comigo: “- Eu não saí de casa, eu não larguei tudo, para qualquer um querer
interferir na minha vida.” Assim fui amadurecendo a minha vocação. E aquilo que
parecia coisa de outro mundo (brigas entre seminaristas) foi se tornando algo
comum fazendo com que eu, pouco a pouco, aprendesse a conviver com tudo aquilo.
Como formandos agostinianos, temos muitas atividades, e uma delas são as
aulas de castellano. Na época eu nem
sabia o que era isso, depois vim descobrir se tratava de aulas de espanhol.
Foi, e está sendo, uma oportunidade muito rica, para mim, poder aprender uma
outra língua e, por isso me apaixonei pelos estudo. Tanto que em poucos meses a
Mercedes me lançou a proposta de mudar de turma, pois eu estava muito bem
empenhado para estar com aqueles que ainda não conheciam quase nada daquele idioma.
Feliz, aceitei a proposta. Espanhol não parece ser difícil. Hoje, mesmo com
alguns deslizes, já consigo conversar e entender o que os outros falam.
O estudo do español me fez
conhecer pessoas novas. Pelo facebook fiz novos amigos que, com eles, tratamos
de vários assuntos (amizade, saudade, santidade, etc). Um deles, chileno, é
devoto de Santo Agostinho, costumo brincar com ele dizendo que él es más agustino que yo, por conocer a San
Agustin desde sus nueve años de edad.
Entre conflitos e reconciliações, a vida comunitária nos faz criar laços
que muitas vezes são abalados quando a gente menos espera. Foi por isso que
sofri tanto no final do ano passado quando soube que mais um de nossa turma
deixaria a formação. Tínhamos brigado algumas vezes durante o ano, ele não era
perfeito, eu também não sou. Mas entre tantos altos e baixos criamos uma grande
amizade, que hoje é alimentada virtual e espiritualmente. Foi graças a ele que
eu mantive contato com os primeiros amigos virtuais.
Para ele eu só quero o bem, como e onde quer que esteja.
Hoje estou no Barreiro, em meu segundo ano de formação. Nesse tempo todo
muita coisa mudou, porém o ideal de vida como religioso continua como sempre
ou, acredito eu, até um pouco mais amadurecido que antes. Deve ser esse o resultado
da caminhada formativa que levamos.
Antes, ouvia falar que a vida no Barreiro era muito difícil e que a
formação pegava muito pesado com a gente. Hoje vejo que não é bem assim, vejo
que essas coisas irão depender de você que, assumindo o seu discernimento e,
principalmente, agindo conscientemente diante dos seus atos, as coisas
caminharão da melhor forma possível.
Não estou pronto, mas exponho diante de todos o barro do meu ser que,
poderá um dia tomar a forma de homem novo que será “modelado” por aqueles que
fizeram, fazem ou farão um dia parte da minha história.
Joel Cícero daSilva, Belo Horizonte, Junho de 2012.
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