terça-feira, 14 de agosto de 2012

A “Experiência” de Deus Em Minha Vida, Ultima Parte


A “Experiência” de Deus Em Minha Vida
“Eu vim de lá do interior, aonde a religião ainda é importante. Lá se alguém passa em frente da matriz, se benze, pensa em Deus e não sente vergonha de ter fé.” Pe.Zezinho
ÚLTIMA PARTE: Da maioridade aos dias atuais
                Tendo eu concluído já o segundo grau e não podendo dar prosseguimento aos estudos passei, acho que uns dois anos em casa. Foi um tempo propício para pensar e descansar.
                Durante todo o ano de dois mil e nove pude fazer um curso de informática, aquele foi outro marco em minha vida. Levantava todo sábado às cinco da manhã e caminhava uns trinta minutos à pés, que às vezes fazia embaixo de chuva ou sol muito forte, para assim pegar o transporte que me levava até a cidade onde o curso se dava. Sempre das 7h às 10h, nas manhãs de sábado, por um período de dez meses, pude adquirir alguns conhecimentos que seriam de grande utilidade futuramente. Ao contrário do que pensava minha mãe, eu não esqueci tudo que aprendi por não ter um computador em casa naquele tempo. Aquele no foi de muita importância para mim.
                Sempre gostei de histórias de ficção científica, seja em filmes ou livros, elas me fascinam. Por volta daquela época a nossa cidade tinha sido presenteada com uma biblioteca. A única coisa que eu podia fazer então, era mergulhar no universo dos livros, e foi isso que aconteceu. Li muito pouco de nossa literatura, pois o que mais me atraia eram os livros fictícios como Viagem ao centro da Terra (de Júlio Verne), O Senhor dos Anéis (de J. R.R. Tolkien), As Crônicas de Nárnia (de C. S. Lewis), etc. Um dia me disseram que isso era uma perca de tempo, que eu não iria ganhar nada com aquilo. Mas esta pessoa estava enganada: aprendi muito com a leitura daquelas obras, que são conhecidas em todas as partes do mundo (tanto é que quase todas elas acabam chegando às telas de cinema), com elas, acredito que aperfeiçoei muito minha gramática (prova disso é que futuramente viria a ter a segunda melhor redação dos vestibulandos para filosofia da minha turma, na Fraternidade Santa Mônica, em janeiro de dois mil e onze). Acredito, também, que em toda ficção há um pouco de realidade e que em toda realidade há um pouco de ficção.
                Como os trabalhos na roça não estavam mais agradando os jovens dali, que desejavam um futuro melhor, muitos deles (inclusive alguns de meus irmãos) começaram a emigrar para o estado de São Paulo, em busca de algo a mais (R$). Trabalhavam lá com a colheita de laranja, com o corte de cana, etc. Um dia meu irmão me fez a proposta de ir com ele e, logo de cara, eu não aceitei. Pensava comigo: “-Eu, sair daqui para trabalhar em outra roça?”, isso não estava em meus planos, porém fazia parte dos meus planos um dia sair de casa. Essa foi a oportunidade que encontrei no momento, para romper os laços com a minha mãe (o que não foi fácil). Aceitei o convite dele e, com mais um primo e outro conhecido, com dezenove anos, banhado em lágrimas e vendo a imagem de minha mãe chorando na janela, saí de casa rumo ao interior de São Paulo.
                Naquele tempo eu não tinha a intenção de ficar trabalhando para sempre com os outros, só precisava de um tempinho para me estabilizar e, com isso, trilhar o meu próprio caminho. A cidade em que ficamos é conhecida como Nova Granada. Lá, passei por algumas experiências que antes não me apeteciam (farras, bebedeiras, etc). Acho que vivi um pouco da minha adolescência que estava “guardada” em mim.
Só que tudo aquilo, aquelas novas experiências, não me completavam, não era aquilo que eu buscava, por isso, dois meses depois (para a alegria de minha mãe) voltei para casa. Naquele tempo, em dois mil e oito, meu Tio deixava para trás a vida de formando religioso como seminarista redentorista, mas nem por isso perdeu de vista o seu ideal, o que o levou a conhecer o carisma de outras ordens como os Carmelitas Descalços e os Agostinianos, por exemplo.
Voltando para a minha terra, retornei, também, aos trabalhos pastorais que antes lá exercia. Pensava eu que agora deveria me aquetar e ficar por ali mesmo, em minha cabeça cheguei até a pensar no dia do meu casamento e de como seria a vida dos meus filhos. Como cristão, me reconhecia profundamente indigno deste título, por isso, muitas vezes, participava das missas auxiliando nas tarefas, mas recusava a comungar, pois, sendo eu pecador, achava que não merecia receber Aquele Santo Sacramento. Hoje sei que não comungo por merecer,  comungo por precisão.
Foi em novembro de dois mil e nove que a minha vida e o meu modo de pensar mudaram completamente. No final daquele ano fui convidado a participar de uma reunião paroquial para decidir o planejamento do próximo ano, aquela reunião foi coordenada por um seminarista diocesano e, durante aquela reunião percebi que ele olhava diferente para mim. Ao término daquela reunião ele veio até a mim e me perguntou se eu era seminarista, se já havia feito contato com alguém desta área ou alguma coisa assim (de início nem quis dar atenção a ele). Respondi que não. Com isso, ele me incentivou a entrar em contato com alguém que pudesse me orientar para, assim, conhecer um pouco daquele estilo de vida que, segundo ele, eu tinha um bom perfil. Despedimo-nos e fui para casa com aquelas palavras martelando na minha cabeça. Chegando lá, contei tudo pra minha mãe e, em seguida conversei com o meu Tio que entendia bem do assunto.
Tio Manoel me propôs entrar em contato com o promotor vocacional do Carmelo Descalço com quem ele estava sendo acompanhado no momento. Eu disse que assim o faria, mas o tempo passava... passava... e eu nada fazia, sempre deixando pra depois. Até que um dia tomei a decisão e tive a coragem de lhe mandar um e-mail. Com isso fui convidado a fazer uma experiência vocacional junto com meu Tio em no convento Elisabeth da Trindade, em Paranoá DF, bem próximo à Brasília. Na mesma ocasião era celebrado o jubileu de ouro de nossa capital, estava lá presente naquela missa tão solene. Aquela experiência foi marcante para mim. Era a minha primeira viagem de avião. A experiência durou uma semana e, depois disso, tudo o que eu queria era doar a vida ao próximo. Pensava comigo: “Oh Jesus, se tão delicioso é desejar amar-Te, o que não será então possuir e gozar o Amor? Mas como pode alma tão imperfeita aspirar a plenitude do Amor?” Com Tereza d’Ávila aprendi que “Tudo passa”, que “A paciência tudo alcança” que “Só Deus basta” e que “Para vir a possuir tudo não queiras possuir algo em nada”.
Voltando do Carmelo Descalço decidi conhecer, também, a outros carismas religiosos, pois sabia que não tinha nada a perder. Daí me lembrei que meu tio havia me passado alguns materiais vocacionais de uma Ordem conhecida como Agostinianos, e que eu tinha guardado somente por educação, pois na época em que ele fez acompanhamento com eles (em dois mil e nove) essas ideias ainda     não se passavam pela minha cabeça. Então decidi saber quem eram esses tais de Agostinianos. Foi em uma Lan House, lá em calçado que, em uma noite do mês me maio de dois mil e dez, pus aquele nome no campo de pesquisas do Google. Li um pouco da história e, em seguida, encontrei um espaço específico para contatos. Lá escrevi algumas poucas palavras pedindo uma orientação vocacional. Poucos dias depois fui surpreendido com a reposta de um certo Frei Márcio, suas palavras foram muito simples e objetivas, aquilo me encantou. De agora em diante passava a conversar com alguém de quem eu não fazia a menor ideia de como fosse. Às vezes eu imprimia os e-mails que dele recebia e, chegando em casa, lia para os meu pais que me apoiavam em tudo aquilo. Em pouco tempo de conversa, já fui convidado para participar de um encontro vocacional que aconteceria, pela primeira vez, na região nordeste, mas especificamente em Pernambuco. Era a hora e o momento certo, eu não queria perder aquele encontro por nada nesse mundo.
                Conversei com minha irmã e ela, lá do convento, me deu total apoio. Eu não conhecia a cidade na qual o encontro seria realizado nem nunca tinha saído de casa sozinho para um lugar desconhecido, mas lembrei de uma fala de Santo Agostinho na qual ele diz: “Meu amor é meu peso. Para qualquer parte que eu vá, é ele que me leva.” (Confissões 13, 9, 12) Com o conhecimento destas sábias palavras, vi que de nada eu poderia temer. Deu tudo certo. Participando do encontro pude conhecer pessoalmente ao Frei Márcio e fazer algumas novas amizades. Fiquei encantado com a forma de como nos foi apresentado o carisma agostiniano e a partir daí só aumentava o meu desejo de fazer parte de uma comunidade religiosa. A OSA era o lugar perfeito para mim, eu nem se quer queria mais saber dos Carmelitas Descalços, pois eu não estava sendo muito bem acompanhado por eles assim como pelo Frei Márcio.
Quase dois meses depois recebia a aprovação e um novo convite para participar da segunda etapa, dessa vez só estariam presentes aqueles que já haviam participado antes, seja em Pernambuco ou não. Foi assim que, deixei minha comunidade comemorando a festa de Nossa Senhora Aparecida e, vim parar em Belo Horizonte, isto em outubro de dois mil e dez. Aquele encontro foi tão bom quanto o primeiro, nele tivemos grandes momentos de espiritualidade e boas confraternizações, para mim tudo era perfeito, era o céu na terra. Naquele mesmo fim de semana, ao término do encontro, recebi a tão esperada notícia, através do Frei Emerson, de que eu estava convidado a viver junto a eles tendo “uma só alma e um só coração”. Eu já sabia que aquilo ia acontecer, sentia profundamente dentro de mim. “Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova. (...) Tu me tocaste e agora estou ardendo no desejo de tua paz.” Confissões 10, 27, 38.
No dia quatorze de janeiro de dois mil e onze, à noite, saí de casa acompanhado por meus pais e minha Irmã (que estava de férias) até o aeroporto de Recife, lá eles me deixaram. Nos olhos lacrimejados de minha mãe pude sentir, mais uma vez, o quanto ela me queria bem, assim como meu pai que, apesar de não demonstrar tanto quanto ela, dava-me a sua benção.
Chegando à Fraternidade Santa Mônica fomos muito bem recebidos por aqueles que seriam nossos formadores: Frei Luís e Frei Haroldo. Nos primeiros dias de comunidade tivemos que passar por um vestibular, para talvez ingressar no curso de filosofia. Eu estava muito inseguro, pois nunca tinha passado por isso, e sentia vergonha perto dos meninos que, ao que me pareciam e pela imagem que minha mãe ajudou a formar, eram todos bem estudados e que, por causa disso, eu não seria aprovado em tal exame. Mesmo assim eu me arrisquei, fiz o vestibular e, para nossa surpresa, tinha sido aprovado. Surpreendi-me com a nota de minha redação, fui o segundo melhor da casa. Será que tinha sido em vão a leitura de tantas “bobagens” na minha vida? Fiquei muito feliz. Imediatamente liguei para minha casa para compartilhar com eles de minha alegria.
Foi assim que comecei a minha vida como estudante de filosofia. Gostei muito de conhecer um pouco da história daqueles que só conhecia o nome (Sócrates, Platão, entre outros), assim como suas filosofias. Hoje, na metade do curso, percebo as coisas com outros olhos, sem ter mais aquela “ingenuidade” de antes.
No seminário nunca tive a intenção de me desentender com ninguém. Queria ser amigo de todo mundo, buscava viver em harmonia com todos. Mas esta tarefa não era tão fácil assim como eu imaginava e foi assim que surgiram os primeiros conflitos da vida comunitária. No início sofri muito, pois não esperava passar por tudo aquilo. Até pensei em regressar, mas ainda estava muito cedo, eu não podia ser tão mole assim. Pensava comigo: “- Eu não saí de casa, eu não larguei tudo, para qualquer um querer interferir na minha vida.” Assim fui amadurecendo a minha vocação. E aquilo que parecia coisa de outro mundo (brigas entre seminaristas) foi se tornando algo comum fazendo com que eu, pouco a pouco, aprendesse a conviver com tudo aquilo.
Como formandos agostinianos, temos muitas atividades, e uma delas são as aulas de castellano. Na época eu nem sabia o que era isso, depois vim descobrir se tratava de aulas de espanhol. Foi, e está sendo, uma oportunidade muito rica, para mim, poder aprender uma outra língua e, por isso me apaixonei pelos estudo. Tanto que em poucos meses a Mercedes me lançou a proposta de mudar de turma, pois eu estava muito bem empenhado para estar com aqueles que ainda não conheciam quase nada daquele idioma. Feliz, aceitei a proposta. Espanhol não parece ser difícil. Hoje, mesmo com alguns deslizes, já consigo conversar e entender o que os outros falam.
O estudo do español me fez conhecer pessoas novas. Pelo facebook fiz novos amigos que, com eles, tratamos de vários assuntos (amizade, saudade, santidade, etc). Um deles, chileno, é devoto de Santo Agostinho, costumo brincar com ele dizendo que él es más agustino que yo, por conocer a San Agustin desde sus nueve años de edad.
Entre conflitos e reconciliações, a vida comunitária nos faz criar laços que muitas vezes são abalados quando a gente menos espera. Foi por isso que sofri tanto no final do ano passado quando soube que mais um de nossa turma deixaria a formação. Tínhamos brigado algumas vezes durante o ano, ele não era perfeito, eu também não sou. Mas entre tantos altos e baixos criamos uma grande amizade, que hoje é alimentada virtual e espiritualmente. Foi graças a ele que eu mantive contato com os primeiros amigos virtuais. Para ele eu só quero o bem, como e onde quer que esteja.
Hoje estou no Barreiro, em meu segundo ano de formação. Nesse tempo todo muita coisa mudou, porém o ideal de vida como religioso continua como sempre ou, acredito eu, até um pouco mais amadurecido que antes. Deve ser esse o resultado da caminhada formativa que levamos.
Antes, ouvia falar que a vida no Barreiro era muito difícil e que a formação pegava muito pesado com a gente. Hoje vejo que não é bem assim, vejo que essas coisas irão depender de você que, assumindo o seu discernimento e, principalmente, agindo conscientemente diante dos seus atos, as coisas caminharão da melhor forma possível.
Não estou pronto, mas exponho diante de todos o barro do meu ser que, poderá um dia tomar a forma de homem novo que será “modelado” por aqueles que fizeram, fazem ou farão um dia parte da minha história.

  “Yo vengo del interior, donde la religión aún es importante. Se álguien pasa en frente a una cruz él habla con Jesús y no siente verguenza de su fé.” Pe.Zezinho
Joel Cícero daSilva, Belo Horizonte, Junho de 2012.

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